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11 de fev. de 2009
Etrosa
Francisco preferiu ir de ônibus. Desceu no fim da linha e foi meio perdido, à procura do endereço, anotado na agenda. O asfaltou terminou e a partir dali, chão batido. Os casebres se amontoavam, protegendo uns aos outros. Cachorros e crianças se misturavam. Avançou por mais algumas entradas lamacentas. Pronto: porta azul, número quatro. Bateu umas três vezes, até que escutou o barulho de alguém. Já passava do meio dia e uma voz de quem acabou de acordar, disse, sem abrir a porta:
- Quem é?
- Olá, sou Francisco Albuquerque Pires, do...
- Ihhhh!! O que foi que o Zeca aprontou, agora, meu Deus??
- Sou advogado, senhora. Estou procurando Maria Etrosa da Fontoura. É a senhora?
(Silêncio)
- Sim. – e abriu a porta, deixando uma fresta.
Pela certidão, ela tinha vinte e oito anos completados em março do corrente. Mas, aparentava uns quarenta.
- O que o senhor quer comigo? – perguntou, arrumando o cabelo bagunçado, a testa franzida.
Nesse momento, começaram a aparecer algumas crianças, rindo ou chorando. Cinco, no total.
- Bem, estou aqui em nome do senhor Arthur Coimbra Fontoura, meu cliente, falecido no quarto dia do mês corrente. Entre outros documentos, está a sucessão hereditária testamentária.
- Ele morreu, então. Entre.
Abriu a porta para que Francisco entrasse e apontou um mocho, para que sentasse. O casebre possuía apenas um cômodo, com uma cortina puída, separando o dormitório.
- Senhora Maria Etrosa, esta é a cópia do testamento. – Indicou, numa pasta cheia de papéis. Este é um procedimento normal de tomada de posse. A senhora é a única herdeira.
Maria Etrosa, que estava tomando um café, engasgou-se.
- Eu nunca vi as fuças dele. Mas não sou nem um pouco orgulhosa, não senhor.
- A família deseja saber que prazo dará para que eles deixem o imóvel.
Ela encostou-se na pia, olhando pela janela, segurando no colo uma menina de uns três anos, sustentando o peso nas ancas magras.
- Ele sumiu quando eu ainda tava nos coeiros. Minha mãe nunca mais teve notícia. - ela olhou então, para ele. – Esse povo aí, a família dele. Não ficaram com nada?
- Apenas os bens e imóveis que estavam em nome próprio, mas não é muita coisa.
- Eles sabiam da gente, mas nunca se incomodaram em perguntar se a gente precisava de alguma coisa. E se ele não deixou nada, boa coisa não são, o senhor não acha? O senhor faz o seguinte, o senhor fala pra eles que podem ficar na casa. Mas o imóvel continuará no meu nome! – falou, olhando os papéis com a mão desocupada.
Francisco sorriu:
- A senhora lembra muito seu pai. Desculpe a pergunta, mas, qual o seu nível de escolaridade?
Ela levantou os olhos, devagar:
- Quer saber se estou lendo, mesmo? Sim, eu estou! Estudei até a quarta série e só tirava nota alta. Meus livros preferidos são Bianca, Sabrina e Júlia e na cama, prefiro de ladinho.- seu rosto estava vermelho.
- Como??
- Senhor Francisco, pelo que estou vendo aqui nesse monte de papel, o senhor é muito bem pago pelo seu trabalho e não para ficar achando se eu sou ou não parecida com o finado, nem bisbilhotar se eu sou analfabeta!
- Peço desculpas, senhora, foi apenas um comentário sem intenção. Trabalhei muitos anos para o senhor Arthur...
- Tudo bem. – disse rindo, com alguns dentes faltando. – Quero saber quando eu boto a mão na grana?
- Assim que estiver tudo assinado e devidamente registrado em seu nome.
- Beleza!
- Qualquer dúvida, está aqui meu cartão. Ligue a qualquer hora.
- Puxa, qualquer hora? Já to começando a gostar disso.
- Até mais.
Alguns dias depois e Maria Etrosa batia a porta com força, para nunca mais voltar. Em cima da banqueta cheia de cupim, que servia de criado-mudo, um bilhete:
“Zeca,
Cansei dessa vida do teu lado. Chega de bebedeira, chega de levar murro pela cara, chega de te tirar da cadeia com meus trocado suado de faxina.
Peguei os piá e to indo embora, nunca mais quero te ver. A gente só sente saudade das coisa boa, e tu vai ser uma lembrança ruim, que se Deus quiser, vou esquecer.
Te vira!
Etrosa.”
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