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20 de jun. de 2009

Outra vez

Apertou o play e ajeitou o espelho retrovisor. Depois de engatar a ré, apoiou o braço no banco vazio ao lado e pisou fundo. Via através do vidro do fundo da pick-up uma paisagem azul pacífico, com uma casinha ao fundo e só.
Tomou uma grande distância, sentia o carro pular na terra preta. Podia chorar e gritar, ninguém escutaria, a próxima propriedade devia ser a uns sete ou oito quilômetros. Passou com tudo por cima da pequena e tenra horta. Freou. Mudou a marcha e acelerou.

“Você foi!
O maior dos meus casos
De todos os abraços
O que eu nunca esqueci”

Seguiu em frente, ouvindo aquela letra e engolindo a raiva salgada. Freou. Bateu a cabeça no volante, duas, três vezes. Sentia raiva e se sentia só, como nunca havia sentido a solidão, grudando em cada vértebra cervical. A buzina se espalhando pelo ar, se dissolvendo naquela imensidão que antes parecera tão única, agora não passava de uma casa no fim do mundo. Marcha-a-ré. Acelerador. Aumentou o som. Não queria ouvir, não precisava, não mais.

“Você foi!
O melhor dos meus planos
E o pior dos enganos
Que eu pude fazer...”

Perdeu as contas de quanto foi e voltou, afundando o barro negro, exaurindo suas forças, secando suas lágrimas. Tirou a chave da ignição e pulou, respingando barro na calça jeans, já sem nenhuma emoção. Lentamente, foi até atrás da caminhonete. Hesitou um instante, e então prosseguiu. No chão, o corpo amarrado estava irreconhecível. O corpo dilacerado ou o que restava dele, estava espalhado por uma extensão de uns vinte metros. Acendeu um cigarro e se abaixou na direção do que deveria ser o crânio, soltando uma baforada no último refrão.


Foto: Sheyla Amaral




Roberto Carlos - Outra vez

Um comentário:

Tua vez, aproveite.