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9 de jul. de 2010

213

O guardinha abriu o portão e se despediu com duas palmadinhas em minhas costas curvadas. Ergui as sobrancelhas em agradecimento como quem retira o chapéu. Mas não retirei o meu, velho e fedorento, e que, depois de tanto tempo, parecia fazer parte do meu crânio agora quase sem cabelo.


Fiquei um pouco parado entre a calçada e o meio-fio, pensando não sei bem em quê. Talvez em pra onde ir agora. Ah! Lembrei: o velho Juarez, os sermões, o bom comportamento.

Um rapaz gordinho me ajuda a atravessar a rua conduzindo-me pelo braço. Tão engraçado, olhei pra ele assim, de perfil, bochechudo, óculos, olhinhos minúsculos, peito gordo estufado achando que está cumprindo a sua parte e aquela papada satisfeita refletiu o farol do ônibus.

Subi e logo uma senhora tratou de tirar a filha do banco e me chamou para sentar ao seu lado, solícita. Sorri e fiquei ali, com a mão no joelho, olhando para o vidro a frente, vendo o motorista passar a marcha, impaciente, olheiras enormes, a cara acinzentada.

Na primeira curva, a garota resvalou um pouco e encostou as pernas nas minhas. Olhou por baixo do braço da velha e puxou as pernas, com cuidado. Tinha pintas e aparelho. Mais uma curva, uma freada, um ombro, dedos, lombada, o cabelo castanho cheirando a xampu de camomila. Desci no fim da linha. Elas também.

O irmão Juarez morava no meio da quadra, na mesma casa de sempre. Era um bom sujeito. Gostava de citar parábolas do Monte das Oliveiras. De vício, um carteado e uma boa pinga, religiosamente, às nove da matina, pra clarear o dia; mas era um bom sujeito.

Parei na metade do caminho, deslizando o corpo pela rua sobre a muleta.

A velha e a garota cruzaram a rua e entraram na segunda casa à esquerda, a amarela, número 213. O aço reluziu e arderam meus olhos, era um número muito frio. Juarez apareceu, de repente, veio com o cachorro magro ao meu encontro - “o filho pródigo a casa retorna” - as sandálias dele batia no chão de terra, o pó desenhava espirais no ar.

Dei uma tragada no cigarro de palha do Juarez. Tinha gosto de merda de vaca. Ele disse pra ficar uma semana, mas eu não quis. Velho vai ficando cada vez mais teimoso e eu estava acostumado a dormir sozinho, no chão duro. Não falte aos cultos, dizia ele, segurando meu ombro, socando uma Bíblia velha e orelhuda no bolso do meu casaco surrado. Fui indo devagar pela rua, o sereno já caía manso. Tanto tempo que queria fazer isso, caminhar sem pensar em nada, sem ninguém empurrando, sem sirene tocando.

Parei de repente, em frente à casa amarela. 213. Portão de madeira, meio caindo, cerca de arame. Frestas de luz escapavam pelas telhas. O cheiro de camomila escapava pela soleira da porta. Uma cabeça castanha apareceu na janelinha. Parou por um instante, olhando na minha direção. Abanou. Abanei de volta. Talvez voltasse amanhã. Duzentos e treze é um número pesado.

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