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20 de jul. de 2008

Conto Ficção Científica 3: Gothic Lolita



-Não adianta me olhar com essa cara de “você-não-tem-jeito” que não resolve...- dizia Poison Apple, soltando uma baforada de fumaça para o ar.
-Estou tentando te entender, Apple. – respondeu ela, tranqüilamente, sentada em forma de lótus, no sofá de veludo azul marinho.
-Não quero que me entenda, porra! Apenas fica aí e me escuta!
-Estou tentando...

Poison Apple levantou e foi até a janela, afastou um pouco a grossa cortina e espiou para fora. Olhou o relógio na parede. Deu uma longa tragada. As vidraças ficaram embaçadas de sua respiração morna.
-Apple, você quer dar uma volta, relaxar, tomar um café, comer alguma coisa, faz dois dias que você não se alimenta direito.
-Não, ‘mamãe’, estou completamente sem fome. – Poison_Apple senta-se ao lado dela e afaga Kin-Ly em seu colo.
-Sabe, estou me sentindo péssima hoje, por isso, preciso da sua companhia, entende?
-Sim, Apple, eu compreendo você.
-Tem dias que meu coração fica apertado aqui dentro e nada nem ninguém consegue toca-lo. Como se uma imensa nuvem nimbus cobrisse tudo em volta, e as coisas perdem a sua graça e razão de ser. Olho as pessoas, mas seus rostos são apenas máscaras que sorriem ou choram, como em uma tragédia grega. E me sinto numa corrida patética para alcançar uma folha ao vento...- poison_apple recostava a cabeça no ombro dela.
-Apple! – diz docemente – há alguém à porta.
Poison Apple acorda de seu breve cochilo e vai atender.
-Você demorou.
-Desculpa. Mas, tinha que ser assim...Humm, essa velha boneca ainda funciona?? – diz ele, sorrindo, olhando para Anne, que sorria de volta, mecanicamente.
-Pelo menos, Anne está sempre comigo. Quer café, Wolf?

* * *
Havia um cheiro de mel no suor de Wolf e quando suas papilas gustativas captavam, era um gosto salgado que sentia em sua boca. Os músculos e o toque quase sutil, num sincretismo abstrato que prendiam os seus sentidos, como ninguém jamais conseguira. A temperatura corporal de Anne havia subido, chegando à temperatura de suas peles. E ela encaixava-se, inacreditavelmente, naquela composição de corpos, como num minueto, onde os três executavam uma singular dança carnal.
Passado alguns dias, Apple sabia, Wolf iria embora, como sempre fez. Mas, a sua companhia era tão cheia de entusiasmo e cor, que ao olhar seus dias sem ele, via apenas borrões em nanquim. E, assim, Anne era deixada de lado, mais e mais, até que Apple esquecesse completamente de sua existência. Qualquer pergunta, auxílio, toque, era rejeitado com uma enxovalhada de impropérios. E Apple não notou que os olhos biônicos de Anne, ficavam cada vez mais vivos com o brilho do ódio.
-Anne, Wolf e eu sairemos. Qualquer coisa, conecte-se comigo, ok?
-Sim, Apple. – disse ela, próximo à porta. – Ahh, Apple??...
-Sim?
-Eu, bem, será que poderia ir...
-O que?? Ir? Está pensando o quê, hein? Que sou babá de boneca? Se liga, Anne. Tem um monte de coisas para você fazer em casa, como organizar minhas roupas, por exemplo. Até mais.
Andaram de motocicleta a tarde inteira, parando aqui e ali, para um café, forte e quente, ou um croissant. Riram e até brincaram, como velhas crianças, no Park Green River. Eram, novamente, como aqueles que passavam por eles: simples cidadãos usufruindo o direito de sobreviver.
Sentada na cama, Anne olhava seu trabalho perfeito no closet: roupas organizadas por cor e finalidade. Levantou-se e seus olhos caíram na maleta de Wolf. Abriu. Nem mesmo poison_apple entrava nos arquivos místicos de Crazy Wolf. Entretanto, esse encanto estava prestes a se quebrar. Um barulho repentino de vaso quebrando e flores negras caindo no assoalho lustrado: Kim-ly pulara no colo de Anne. Ele odiava mesmo olhos de xenônio.

* * *
-Shhhhh...acalme-se, meu amor...- dizia Crazy Wolf, abraçando o corpo trêmulo de poison_apple, até aquele momento, desacreditando no que suas retinas captavam.
Minutos antes, chegara em casa e tudo até então, havia sido perfeito, um dia perfeito, como há tempos não acontecia. O sol até coloriu suas maçãs do rosto, as deixando rosadas e brilhantes, como seus pequenos olhos escuros. Os negros cabelos, soltos, caíam divertidos sobre os olhos, ao que ela fazia um velho cacoete de ficar observando com a cabeça inclinada e a testa franzia, de uma maneira muito particular. E agora, Kym-Ly não viria mais correndo ao seu encontro, quando ouvisse o barulho da porta se abrindo. Pois, ele estava sete andares abaixo, na St Paul Avenie, numa poça de sangue e pêlos.
É sempre um vazio muito grande e inexplicável que se apodera de nossa mente quando perdemos algo que nos é valioso. E no caso de Poison, não era simplesmente um animal. Era um símbolo, uma razão, uma entidade. Kim-Ly se foi e deixou um buraco, um vazio.
Então, para respirar novos ares, Poison resolveu aceitar o convite de Wolf, e numa quinta-feira gélida, embarcou num avião rumo aos Bálcãs.
Teias gigantes os cercavam sem que percebessem, estavam dentro delas, a respiravam, conspiravam e sentiam-se deuses.
Anne servia leite morno ao pequeno Kym-Ly, enquanto lia alguns importantes scripts confidenciais.
-Sim, entendo.
-E mais uma coisa, Anne, verifique se tem absinto, acho que eu e Wolf acabamos com o estoque mês passado – disse ela, sorrindo e outra risada conhecida ouviu-se no telefone.
Wolf...
-Sim?
-Nada, não tem nada. – sorriu Poison – Tenho uma surpresa para você...
-Adoro surpresas, mas vou desligar, porque...
A porta do kitnet se abre, entrando Poison e Wolf, animados. E, no mesmo momento em que os olhos de Poison e do felino se encontram, Anne descobria que são dois os grandes poderes dos Homens: o Amor e o Ódio.

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