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1 de fev. de 2009

Quintessência


Filomena sempre quis casar. Desde que se conheceu por gente, bolos e vestidos bojudos brancos, brancos, povoavam seu mais inquietante suspiro. Suspiros também são brancos, como as brancas nuvens em que viu passar os anos.

Por certo, a família era grande, muitas irmãs, irmãos, primas, tios, tias, sobrinhos. Cada noivado era uma fincada no coração. Olhava-se no espelho e se achava cada vez mais velha, mais embolorada. A textura da pele mais seca, o cabelo mais fraco, a boca sem beijos.

Andava pela casa, feito essas galinhas de quintal, sobrancelha sempre alta, olho miúdo às espreitas das portas, passo imóvel, catando conversas dos outros, fuçando gavetas e bolsos na lavanderia.

Dormia e acordava cedo, não gostava de música nem cigarro, era moça pra casar. Vestia com recato, cumpria os dez mandamentos e comungava todo domingo. Teve um único namorado que, por infelicidade, morreu atropelado.

Gostava de dar opinião e conselho. Tanto um quanto outro, pareciam tirados de almanaques de farmácia, e embora rasos em conteúdo, tomavam forma pelo tom ardoroso e enfático demonstrado. Como muitos, tinha problema com rótulos: se aquele lhe era apresentado como ‘doutor’ esse já tinha no seu cérebro um formato correspondente a todos os predicados que o nome significava, não importando se isso realmente, coincidia.

Não era de todo má, mas gostava de uma intriguinha de família e manipulava os mais desavisados, mas no final das contas, não tinha má intenção. Tendo um bom avental na cintura, se realizava com seus dotes de cozinheira a cada exclamação de contentamento à mesa. Mas, não podia lhe faltar o esmalte nos pés, ah, isso não!
Por fim, Filomena morreu num verão, em que um sobrinho resolveu casar num balneário e ela não quis ir, pois se recusava a usar maiô. A encontraram vestida de noiva, na cama, vários bordados feito por ela em torno e em volta, e perto da sua mão, um vibrador.

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